quinta-feira, 27 de maio de 2010

1ª Reunião - 26 de maio de 2010



Ontem o nosso Grupo de Pesquisas realizou a sua primeira reunião, na sala 407 do prédio da Faculdade Nacional de Direito.
Os integrantes se apresentaram. Há os alunos de graduação da UFRJ, do 3º ao 10º período (a relação está ao lado). Tem também a Cristiane Ribeiro de Souza, graduanda pela UCAM e que participa do grupo de pesquisas de Rosângela Zagaglia, sobre direitos das crianças e adolescentes, na UERJ. Carlos Eduardo Cunha Martins Silva, mestrando da PUC-RJ e orientador responsável pelo Escritório Modelo da OAB Rio, também faz parte do grupo, assim como os mestrandos da UNESA Antonio Pedro Melchior, Sheila Lustoza, Thiago Minagé e José Américo Valadão. Além deles, o grupo ainda é integrado pelo professor Rogério Maia Garcia (ULBRA RS), mestre em Direito, que atuará um pouco à distância, devido as suas responsabilidades em Torres e Porto Alegre.
E, finalmente, Fernanda Peixoto, que é quem dá ordem as coisas, além de contribuir permanentemente como verdadeira usina de ideias.
Os objetivos foram expostos. Lembrando vários importantes autores, eu sublinhei a leitura de Nilo Batista sobre o Direito como prática social. E ressaltei que as práticas que constituem o Direito formam uma determinada tradição, que sob variados aspectos e em boa parte do tempo pode estar em contradição com a "arquitetura" do ordenamento jurídico, com seu "planejamento normativo".
O entendimento disso à luz das matrizes autoritárias do processo penal brasileiro funda as bases da hipótese a ser investigada. Assim, muito sinteticamente falei dos anos 60/70 do século passado e da importância das várias críticas ao Direito, na Europa Ocidental, que dominaram parte da academia e que se aglutinaram, nem sempre de forma homogênea, sob a denominação de Teorias Críticas do Direito.

Destaquei que ainda nos 80, nós aqui na América Latina "vivíamos" criticamente o Direito tendo por referência a obra de Eduardo Novoa Monreal: o Direito como obstáculo à transformação social.
E lembrei da dinâmica diferenciada das transições democráticas no continente, que entraram pelos 90 e justificaram distintas atitudes em face do passado recente.
A nossa transição, como mencionei em outro post, ficou marcada pela pressão externa sobre o governo militar, em virtude do anunciado "desastre econômico", que gerou a chamada década perdida, e por movimentos internacionais de direitos humanos.
A projeção disso internamente, porém, e apesar do papel desempenhado pela OAB (Raimundo Faoro) e pela ABI (Barbosa Lima Sobrinho), caracterizou-se pelo comando rígido da transição nas mãos das lideranças militares e civis do regime, com poucas e pontuais concessões.

Daí que a cultura autoritária semeada por vários séculos, no Brasil, não sofreu a "ruptura" que poderia influir em uma efetiva mudança de atitude perante o Outro, em face dos interesses vitais dos grupos sociais vulneráveis aos quais o direito brasileiro reservava a igualdade formal, desde que "condenada" a nunca se transformar em uma real e digna mudança nas relações econômicas, políticas e sociais.
A Constituição de 1988, gerada nesta conjuntura, é um pouco isso: o "desenho (planta)" normativo de uma ordem que postula o respeito intransigente aos direitos humanos e se propõe a ser a mola propulsura dessa transformação, elaborada por "arquitetos" que a pensaram como instrumento (e não obstáculo) de mudanças sociais que resgatassem os séculos de opressão e violência; planta que encontrou "um mundo" de engenheiros, mestres de obra, pedreiros e até futuros "moradores" deste prédio denominado "democracia substancial", que teimaram e teimam em "executar" o projeto com alteração de suas linhas nucleares, para aproximá-lo do "conhecido e confortável modelo anterior", de cariz autoritário.

Essa insistência em marchar pela via autoritária se reflete de modo intenso no Sistema de Justiça Criminal.
Às vésperas de ser votado um novo Código de Processo Penal, no Brasil, e quando são discutidos o PNDH 3 e a Lei de Anistia do governo militar, as poderosas forças conservadores e reacionárias ocupam o noticiário, dominam (mantém e expressam a secular dominação) os meios de comunicação, e com o apoio mesmo de muitas corporações que, na Constituição de 1988, foram elevadas à condição de impulsionadoras e garantes da democracia, se armam de argumentos belicosos para "parar a obra democrática", que de fato demandou um governo novo, distinto em muitos pontos daqueles que se forjaram em alianças com as classes dominantes, para ousar e propor mudanças concretas e reais.

A pesquisa parte deste contexto. E pretende buscar nas décadas de 20 a 40 do século passado, no apogeu da retórica fascista, as matrizes (próximas) desta cultura autoritária.
Assim, o trabalho inicial está ordenado e dividido para:
1) Estudar o conceito de autoritarismo e os laços com o fascismo. Várias obras serão consultadas, para os Seminários, mas de início o sub-grupo trabalhará com Fascismo, perspectivas históricas y comparadas, de Juan J. Linz (cap. 4), La Dictadura, de Carl Schmitt (cap. 3, 4 e 6), Mussolini y el ascenso del fascismo, de Donald Sassoon (cap. 1);
2) Para a constituição do marco teórico o segundo sub-grupo traduzirá e exporá os ensaios de Otto Kirchheimer, sobre o Direito no nazismo;
3) O terceiro sub-grupo se dedicará a pesquisar as revistas jurídicas brasileiras das décadas de 20 a 40 do século passado e selecionar os artigos jurídicos que propuseram a reforma do modelo de processo penal vigente, em busca da verificação das tendências e orientações;
4) O quarto sub-grupo cuidará de investigar em que consistiu, especificamente, o Código Rocco, a partir de textos de Manzini, Leone, Cordero e Bettiol;
5) O quinto sub-grupo se dedicará ao estudo de textos sobre e de Karl Larenz, Grispini e Mezger, que colocam em outros termos, mais realistas, a vinculação da obra destes autores às bases ideológicas do nazismo (La lucha contra el derecho subjetivo e La reforma penal nacional-socialista);
6) O sexto e último sub-grupo, por enquanto, voltará sua atenção para a rede por onde escapam as práticas e se consolidam as permanências autoritárias: a linguagem. Este grupo examinará, inicialmente, a obra de Jean-Pierre Faye, Introdução às linguagens totalitárias, mas terá seus olhos também pousados sobre a contribuição de Pocock e Chomsky.

As reuniões do Grupo de Pesquisas serão realizadas às quartas-feiras, à tarde, na Faculdade Nacional de Direito (sala 407), conforme calendário que será divulgado (ver no marcador: Encontros).
Além dos seminários, os trabalhos pretendem subsidiar monografias de fim de curso, artigos, dissertações e teses, reunindo-se em publicações com esse viés.
Bem, é isso!

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Primeiro encontro

O primeiro encontro do grupo de pesquisa será realizado hoje, dia 26 de maio de 2010, às 17:00, na sala 407 da Faculdade Nacional de Direito, para estabelecer tarefas e traçar as primeiras atividades.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Movimentos lançam campanha pela integralidade e implementação do PNDH 3





Movimentos lançam campanha pela integralidade e implementação do PNDH-3


Entidades da sociedade civil e movimentos populares divulgam manifesto de lançamento de campanha nacional para mobilizar a sociedade na defesa e implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos 3.
Elas exigem a revogação do decreto presidencial que altera o PNDH-3.

Organizações da sociedade civil e movimentos populares lançam nesta quinta-feira (20/05) uma campanha nacional em defesa da integralidade e pela implementação do Programa Nacional de Direitos Humanos 3, conforme publicado no decreto 7037, de 21 de dezembro de 2009. Para os integrantes da campanha, o PNDH-3 é resultado de um amplo processo participativo, que articula múltiplas agendas e ações programáticas que expressam o conjunto dos direitos humanos, e traduz os preceitos consagrados na Constituição Federal de 1988, comprometendo os agentes públicos e as instituições do Estado com a efetivação de ações para garantir esses direitos.

Por isso, pedem a revogação imediata do Decreto nº 7.177, de 13/05/2010, em respeito ao processo democrático e participativo de construção do PNDH-3. E também a instalação do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3, com ampla participação da sociedade civil.



Desde que foi lançado, em dezembro de 2009, o PNDH-3 vem sofrendo duros ataques de setores conservadores da sociedade – sobretudo a igreja, os proprietários dos grandes meios de comunicação, setores antidemocráticos do Exército e latifundiários. Esses segmentos não reconhecem o processo de construção participativa que resultou no Programa Nacional de Direitos Humanos e pressionaram o governo federal por mudanças em sua redação. Na última semana, o governo cedeu às pressões e recuou em algumas ações e diretrizes do PNDH-3.

A campanha se soma a uma série de iniciativa estaduais já em curso propõe a criação de comitês municipais e estaduais comprometidos com a defesa do PNDH-3 e de sua implementação. As organizações envolvidas também pretendem capacitar lideranças sociais e públicas para a compreensão do PNDH-3 e para a defesa de sua implementação, além de propor debates em instituições educacionais e públicas.
Como forma de fazer frente aos ataques conservadores, a campanha também produzirá e veiculará informações sobre o PNDH-3. Outra recomendação é para que Estados e Municípios que já tem um Programa de Direitos Humanos expressem publicamente sua adesão ao PNDH-3 e se comprometam com atualização e/ou instituição de programas equivalente nas respectivas esferas administrativas.
Leia abaixo a íntegra do manifesto de lançamento da Campanha Nacional. Adesões podem ser feitas via site da iniciativa: www.pndh3.com.br
Mais informações para a imprensa: Bia Barbosa – Intervozes: (11) 8151-0046

MANIFESTO NACIONAL

CAMPANHA PELA INTEGRALIDADE E IMPLEMENTAÇÃO DO PNDH-3

Nós, organizações sociais, movimentos sociais, sindicatos, redes e outras da sociedade civil brasileira, historicamente comprometidas com a promoção dos direitos humanos, manifestamos publicamente nossa posição sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Entendemos que:

1. O PNDH-3 é resultado de amplo processo participativo. Resultou das diretrizes aprovadas na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em dezembro de 2008, e na sistematização de resoluções de mais de 50 conferências nacionais sobre diversos temas. A participação direta da população, das organizações sociais e populares, dos gestores públicos das três esferas de governo, dos legislativos e de setores do judiciário na construção de propostas de políticas públicas é um grande avanço consagrado na Constituição Federal de 1988. Múltiplos agentes e agendas estão articulados no PNDH-3, cuja marca é, acima de tudo, a convergência e expressa a participação efetiva da pluralidade e da diversidade.

2. O PNDH-3 traduz de consistente a transversalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos. Articula diretrizes, objetivos estratégicos e ações programáticas em seis eixos estratégicos que expressam o conjunto dos direitos humanos, atendendo ao recomendado pela II Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993). Neste sentido, constitui-se num avanço de formulação em relação às duas primeiras versões do PNDH (de 1996 e de 2002).

3. O PNDH-3 dá visibilidade aos diversos sujeitos de direitos humanos. Reconhece que os sujeitos de direitos, em sua diversidade e multidimensionalidade são os verdadeiros agentes da formulação e também os destinatários prioritários das ações de direitos humanos. O reconhecimento da diversidade e da pluralidade dos sujeitos se traduz em propostas de ação que têm no fortalecimento desses mesmos sujeitos o caminho central para a efetivação dos direitos humanos.

4. O PNDH-3 traduz os preceitos consagrados na Constituição Federal de 1988 e assume os compromissos internacionais com a realização dos direitos humanos. O PNDH-3 compromete os agentes públicos e as instituições do Estado, respeitando a independência republicana dos poderes, com a efetivação de ações para efetivar os direitos humanos, dando um passo à frente para que os direitos humanos tenham força programática e possam se traduzir em ações efetivas dos órgãos públicos que possam ser amplamente monitoradas pela sociedade.

5. O PNDH-3 carrega uma concepção contemporânea de direitos humanos que se opõe aos conservadorismos e às compreensões restritas e restritivas de direitos humanos. Estas concepções ainda estão fortemente presentes na sociedade brasileira e se manifestaram de forma contundente na reação de setores conservadores que tem publicamente se dito contrários ao PNDH-3. Por isso, a defesa do PNDH-3 é também a defesa de uma compreensão ampla e que abre espaço para os sujeitos populares e sua cada vez mais inclusão nos processos de luta e de reconhecimento dos direitos humanos.

6. O PNDH-3 é instrumento de política pública Apresenta várias propostas de ações programáticas que incidem sobre os diversos temas da política pública, propõe-se a ser de Estado, mais do que de governo. Por isso, induz processos que deverão se traduzir em previsões orçamentárias, em indicadores de monitoramento e, acima de tudo, em dinâmicas permanentes de participação e de controle social público com ampla participação da sociedade civil. Neste sentido, o PNDH-3 abre caminho para que sejam implementados avanços na perspectiva de um Sistema Nacional de Direitos Humanos, na linha do que aprovou a IX Conferência Nacional de Direitos Humanos (2004).

7. O PNDH-3 é processo em construção. Boa parte das proposições nele contidas demandam debate, processos legislativos, iniciativas judiciais e implementação de políticas públicas. Como se pretende decenal, está aberto à definição de prioridades que haverão de se traduzir em Plano Bienais a serem incorporados aos diversos instrumentos de planejamento da ação e do financiamento do Estado. Também convoca as unidades federadas a participar do processo aderindo ao PNDH-3 e, sobretudo, atualizando e/ou instituindo Programas Estaduais e Municipais de Direitos Humanos.

Desta forma, manifestamos nossa oposição frontal às seguintes medidas, concretizadas após a publicação do PNDH-3 em dezembro de 2009:

1. O Decreto nº 7.177, assinado pelo Presidente Lula e pelo Ministro Paulo Vannuchi, e publicado em 13/05/2010 que altera vários pontos do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) originalmente publicado em dezembro de 2009, por ter sido feito sem o devido respeito ao processo democrático e participativo.

2. O Projeto de Decreto Legislativo nº 16, de 10/02/2010, apresentado pelo Líder do PSDB no Senado Federal, Senador Arthur Virgílio, que susta os efeitos do Decreto que instituiu o PNDH-3, rejeitando o argumento de que o PNDH-3 é eleitoreiro e lembrando que, se o PNDH-3 foi publicado há oito meses da eleição presidencial, o PNDH-2, obra do governo FHC, foi publicado há cinco meses da eleição e nem por isso foi compreendido como eleitoreiro.

3. Os Projetos de Decreto Legislativo que tramitam na Câmara dos Deputados: nº 2386, 2397, 2398 e 2399/2010, do deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), nº 2550/2010, do deputado Moreira Mendes (PPS-RO) e nº 2552/2010, do deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), por não respeitarem o processo democrático participativo de construção do PNDH-3 e a autonomia do Poder Executivo para legislar sobre temas programáticos.

Pelos motivos acima expressos, lançaremos uma CAMPANHA NACIONAL que visa mobilizar a sociedade brasileira na defesa e implementação do PNDH-3. Por isso, cobramos do governo federal :

1. A revogação do Decreto nº 7.177, de 13/05/2010, em respeito ao processo democrático e participativo de construção do PNDH-3.

2. Imediata instalação do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3 com ampla participação da sociedade civil para viabilizar o previsto no artigo 4º do Decreto que instituiu o PNDH-3.

3. Abertura de processo público e participativo para a elaboração do primeiro Plano Bienal previsto no artigo 3º do Decreto que instituiu o PNDH-3.

4. Aprovação do Projeto de Lei que cria o novo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em tramitação no Congresso Nacional, e sua instalação a fim de que seja efetivado o espaço público de participação e controle social da política nacional de direitos humanos.

A fim de ampliar a base de apoio e a dinâmica de organização da Campanha, propomos que as organizações que a apóiam promovam atividades no sentido de:

1. Proposição para que Estados e Municípios que já tem Programa de Direitos Humanos expressem publicamente sua adesão ao PNDH-3 e se comprometam com atualização e/ou instituição de Programas nas respectivas esferas administrativas.

2. Criação de Comitês que reúnam diversos agentes sociais e públicos comprometidos com a defesa do PNDH-3 e de sua implementação a fim de se constituir em espaços de mobilização da sociedade brasileira e de ampliação e capilarização dos propósitos da Campanha Nacional.

3. Promoção da informação sobre o PNDH-3 através de diversos meios a fim de alertar a sociedade sobre a importância do PNDH-3 e da defesa de sua integralidade e da exigência de sua implementação, como forma de fazer frente aos ataques conservadores.

4. Realização de ações de capacitação de lideranças sociais e públicas para a compreensão do PNDH-3 e para a defesa de sua implementação através de processos de educação social e de educação popular, além de propor debates em instituições educacionais e em diversos espaços e instituições públicas.




Para realizar o que aqui expressam, as organizações promotoras da CAMPANHA NACIONAL se comprometem a mobilizar esforços e a construir um amplo processo de convergência de agendas e de ações de tal maneira a efetivar os objetivos e as ações aqui propostas. Para aderir à campanha, visite http://www.pndh3.com.br/

Brasília, 20 de maio de 2010.

CAMPANHA NACIONAL PELA INTEGRALIDADE E IMPLEMENTAÇÃO DO PNDH-3

ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais); ABONG (Associação Brasileira de ONGs); AMB (Articulação de Mulheres Brasileiras); CEN (Coletivo de Entidades Negras), CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Comunidade Bahá’í do Brasil; Fala Preta – Organização de Mulheres Negras; FENDH (Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos); INESC; Intervozes; Justiça Global; MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos); Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Ecumênicas Européias e Parceiros Brasileiros; Plataforma DHESCA Brasil; Relatoria Nacional para o Direito Humano à Terra, Território e Alimentação; Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos; Terra de Direitos.



Anistia ou amnésia: um debate necessário

No último dia 29 de abril o STF decidiu por sete votos a dois, no julgamento da ADPF 153, manter o entendimento pelo qual os crimes de tortura, desaparecimento e homicídio praticados por agentes do Estado durante a ditadura de 1964 ("crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar"), se inscreviam entre os crimes políticos e conexos afetos à anistia definida pela Lei n. 6.683/79.

O Conselho Federal da OAB postulou declaração/interpretação do §1º do artigo 1º da referida lei que não ofendesse preceitos e princípios fundamentais, consagrados pela Constituição.
O julgamento acirrou o debate - e os ânimos - em torno de nosso passado recente e provocou enfrentamentos retóricos nos mais variados ambientes entre os que querem deixar "o passado no passado" e aqueles que entendem que somente "o conhecimento integral do que se passou" na ditadura militar propiciará ao Brasil construir "objetivos seguros e um amplo compromisso consensual... para que tais violações não se repitam nunca" (prefácio ao Plano Nacional de Direitos Humanos - PNDH 3).
Ao lado da tensão desta decisão do STF há o PNDH 3, constituído após ampla e transversal discussão entre setores das várias esferas de Governo e a sociedade civil organizada, a partir da convocatória de abril de 2008 (Decreto Presidencial e Portaria 344 da Secretaria Especial de Direitos Humanos - SEDH), que culminou com a 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, realizada em Brasília entre 15 e 18 de dezembro de 2008.
Precedida por mais de uma centena de encontros e Conferências Nacionais temáticas, a 11ª Conferência gestou as bases do PNDH 3, que hoje está no centro das discussões, alvejado intensamente pelas forças autoritárias que atravessam a sociedade brasileira e jogam o jogo das pemanências, ainda que sob a veste nova de um modelo de administração de conflitos que dispensa a rude transparência das ditaduras militares e de outros matizes que caracterizaram a América Latina no século XX.
Entre eixos prioritários e estratégicos, e ações e compromissos irrenunciáveis, o PNDH 3 propõe lutar pela erradicação da tortura (Diretriz 14 do Eixo Orientador IV) e por uma política da memória (Eixo Orientador VI).


Há muito tempo, em palestras, aulas e debates públicos eu venho defendendo, no campo mais restrito do funcionamento do Sistema de Justiça Criminal, que o caráter negociado de nossa transição, em um contexto em que as forças democráticas dispunham de muito pouca margem de manobra e poder de influência e em um momento em que o principal desgaste do governo militar brasileiro resultava do anunciado fracasso de sua política econômica altamente concentradora, incapaz de se esconder atrás de algum falso "milagre econômico", pesou na manutenção e difusão de uma subjetividade altamente autoritária.
O contexto global também contribuiu para isso, em minha opinião, concertando as bases do que Michel Foucault e Gilles Deleuze denominavam de "fascismozinho ordinário" (Filósofos na Tormenta, Elisabeth Roudinesco, Zahar, 2007, p. 10).
Recompor as bases da "transição", pela via da tessitura de novos vículos a partir da franca exposição de nosso passado recente, este pode ser um dos caminhos para a edificação de formas de sociabilidade que nos ajudem (à sociedade brasileira) a entender e a superar sua inclinação pela solução violenta e amarga dos conflitos, ao preço do sacrifício constante dos interesses dos grupos sociais mais vulneráveis em benefício das elites, que não deixaram de existir porque o termo foi condenado ao "politicamente incorreto", nesta gramática perversa e tendenciosa do neoliberalismo e da globalização de mercados e marginalização dos pobres do mundo.
Começo hoje a publicar posts em que busco articular as questões acima (julgamento do STF, PNDH 3) à Justiça de Transição e a outros temas correlatos. Tenho por horizonte o futuro e sei o quanto o assunto é delicado, pois muitos dos que hoje, honesta e sinceramente, estão envolvidos na concretização dos direitos humanos no Brasil conheceram, por modos variados, o outro lado, da violência de Estado, sem embargo das formas de convivência social, econômica, política e mesmo familiar com torturadores e chefes da ditadura. Mexer com o passado, inevitavelmente, é mexer com as pessoas e seus sentimentos e é nosso dever agir com sobriedade.
Minha perspectiva está em desatar nós para que as mudanças que estão em curso em nossa sociedade produzam de fato uma cultura de respeito aos direitos humanos que condene a repressão penal e a violência estrutural, estas sim, a serem "o passado a ser deixado no passado".
Vamos ver o que acontece!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Liberdade e pena substitutiva em tráfico de drogas: a serenidade contra a obsessão punitiva

A decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça insere-se na linha da escrupulosa aplicação da Constituição, seguida pela 5ª Câmara Criminal do Rio de Janeiro, pela 5ª Câmara Criminal do Rio Grande do Sul e por outros órgão colegiados e por juízes como Alexandre Rosa e Rubens Casara.

Gradativamente forma-se jurisprudência criminal que transforma, em prol da Constituição, algo da face do sistema de controle social punitivo no Brasil.
A caminhada é árdua e começou lá atrás. Aos pioneiros hoje deve confortar a ideia de que a luta pela radicalização democrática não está sendo em vão!

Informativo 433 STJ - 6 Turma

TRÁFICO. DROGAS. REGIME FECHADO.


O crime imputado ao paciente foi tráfico de drogas praticado em 8/5/2008, já sob a égide da Lei n. 11.464/2007, cuja entrada em vigor se deu em 29/3/2007, que alterou o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990, determinando o estabelecimento de regime fechado para o início do cumprimento da pena aplicada, qualquer que ela seja. A defesa do paciente alega que a quantidade imposta, a primariedade e as circunstâncias judiciais favoráveis autorizariam a imposição do regime aberto. Destaca o Min. Relator que, embora, segundo o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990 (com a novel redação da Lei n. 11.464/2007), tenha sido vedado, expressamente, para os crimes hediondos ou a eles equiparados o regime inicial diverso do fechado, na fixação do regime prisional para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade, há de levar-se em consideração a quantidade de pena imposta, as circunstâncias judiciais desfavoráveis ou favoráveis, a presença de agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição. Isso porque, no Estado democrático de direito, as normas devem mostrar-se ajustadas com o processo constitucional. Observa que a aplicação literal do artigo inserido pela Lei. n. 11.464/2007 na Lei dos Crimes Hediondos sem considerar as peculiaridades do caso concreto acarretaria ofensa aos princípios da individualização da pena, da proporcionalidade e da efetivação do justo. Ressalta que, em decisão plenária em 2006, o STF declarou a inconstitucionalidade da proibição à progressão de regime (art. 2º, § 1º, na redação antiga da Lei dos Crimes Hediondos) por afronta ao princípio da individualização da pena e só depois a Lei n. 11.464/2007 derrogou a vedação à progressão de regime. No entanto, ainda persiste a ofensa ao princípio da individualização da pena, pois se aquele dispositivo responsável por impor o integral cumprimento da reprimenda no regime fechado é inconstitucional, também o é aquele dispositivo que determina a todos, independente da pena ou das circunstâncias judiciais do caso concreto, que inicie a expiação no regime mais gravoso. Pelo exposto, conclui que, na hipótese dos autos, a pena de um ano e oito meses de reclusão aliada às circunstâncias judiciais favoráveis permite o estabelecimento do regime aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade e também a sanção corporal por duas medidas restritivas de direitos. Observou ainda que, no julgamento da apelação interposta pelo MP, o tribunal a quo, embora tenha aplicado a causa de diminuição contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, no patamar máximo de dois terços, deixou de efetuar a mesma redução em relação à multa, o que ocasiona o constrangimento ilegal alegado pela defesa. Com esse entendimento, a Turma estabeleceu o regime aberto para o cumprimento da privativa de liberdade, substituiu-a por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, redimensionou a pena pecuniária de 332 para 166 dias-multa e determinou que a implementação das restritivas de direitos ficasse a cargo do juiz das execuções. Com essa decisão, a Turma modificou seu entendimento sobre o tema ao adotar o do STF. Precedentes citados do STF: HC 82.959-SP, DJ 1º/9/2006; do STJ: HC 128.889-DF, DJe 5/10/2009; HC 102.741-RS, DJe 16/11/2009; HC 130.113-SC, DJe 19/2/2010, e HC 154.570-RS, DJe 10/5/2010. HC 149.807-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 6/5/2010.